O comportamento do cão que ladra quando o tutor está presente, mas se mantém em silêncio na ausência dele, pode ser compreendido com base em conceitos científicos da psicologia e da etologia canina, relacionados com a dependência emocional, comunicação e reforço social.
1. Apego e Dependência Emocional
Os cães são animais altamente sociais e desenvolvem laços de apego com os seus tutores, comportamento que é uma adaptação evolutiva. Assim como os lobos dependem do grupo para sobreviver e se comunicam intensamente dentro dele, os cães aprenderam a interagir e comunicar-se com os humanos para obter segurança, alimento e afeto. Esse apego pode, no entanto, transformar-se numa dependência emocional quando o cão passa a esperar interação constante sempre que o tutor está presente, criando uma expectativa emocional.
Este tipo de comportamento é próximo ao conceito de "ansiedade por separação parcial", onde o cão lida bem com a ausência física, mas apresenta sinais de dependência psicológica ou emocional quando o tutor está por perto e não interage com ele. Cientificamente, isto relaciona-se ao sistema de apego social do cão, que, ao não ser satisfeito de forma constante, pode levar ao "protesto" através do ladrar.
2. Reforço Social e Condicionamento Operante
Quando um cão aprende que o ladrar gera uma resposta do tutor (seja uma repreensão ou um carinho), ele acaba por associar essa resposta ao comportamento de ladrar, o que é um caso de condicionamento operante. Esse tipo de reforço – mesmo que negativo, como uma repreensão – confirma ao cão que ladrar é eficaz para chamar a atenção, reforçando o comportamento. O reforço social é muito poderoso nos cães, uma vez que a sua natureza cooperativa leva-os a procurar constantemente sinais de aceitação e comunicação.
Além disso, esse comportamento pode ser intensificado pelo que se chama de reforço intermitente: se o tutor responde de vez em quando, o cão continua a tentar, pois sabe que eventualmente será atendido. Este tipo de reforço é um dos mais eficazes para manter um comportamento, pois cria uma expectativa no cão de que, se insistir, poderá obter o que quer. Quando o cão não ladra em situações como a ida do tutor ao trabalho, isto indica que ele compreende essa situação específica e que essa ausência é algo com o qual ele consegue lidar.
3. Comunicação Inata e Comportamento de Chamada
O ladrar é uma forma de comunicação herdada dos ancestrais canídeos e evoluiu nos cães para incluir interações específicas com os humanos. Ao contrário dos lobos, que não vocalizam tanto na comunicação intraespecífica, os cães evoluíram para usar o ladrar como uma forma de "chamada", especialmente para obter atenção, o que é reforçado pela convivência com os humanos.
Estudos sobre o comportamento vocal nos cães mostram que o ladrar pode ser entendido como um comportamento de solicitação. A presença do tutor, mas a falta de interação, pode ser percebida pelo cão como uma situação ambígua: ele sente-se na obrigação de chamar o tutor para interagir, uma vez que a proximidade ativa a sua necessidade social.
4. Expectativas de Recompensa e Dopamina
Cães, como outros mamíferos, possuem um sistema de recompensa no cérebro que envolve a libertação de dopamina quando antecipam algo positivo. No caso de um cão que ladra para obter a atenção do tutor, a expectativa de receber atenção pode provocar um aumento da dopamina, o que fortalece o comportamento. Este efeito é amplificado pela expectativa da recompensa, mesmo que não aconteça em todas as vezes que ele ladra, criando um ciclo de ativação da "recompensa por expectativa".
5. Instinto de Proteção do Território e Reforço Social
O comportamento de ladrar para estranhos dentro do canil, mas apenas na presença do tutor, acrescenta uma camada de complexidade ao comportamento. Este comportamento está associado ao instinto de proteção territorial e ao reforço da presença do tutor.
O comportamento territorial é inato em cães, com raízes na proteção do grupo e do espaço onde habitam. Dentro do canil, o cão pode interpretar a presença de estranhos como uma possível ameaça ao seu território, especialmente na proximidade do tutor. A sua resposta de ladrar é, portanto, uma manifestação de defesa territorial, que tende a ser intensificada quando o tutor está presente, pois o cão sente a necessidade de "proteger" a pessoa com quem tem um laço de apego forte.
Além disso, ao ladrar para estranhos na presença do tutor, o cão pode estar a exibir um comportamento reforçado pela dinâmica social entre ambos. Na presença do tutor, ele sente-se "apoiado" para reagir, usando o ladrar como um sinal de alerta ou advertência aos estranhos. Este é um comportamento que, mesmo que não seja intencionalmente reforçado pelo tutor, torna-se mais provável de ocorrer quando há uma interação conjunta, dado o forte vínculo social.
6. Vigilância e Responsividade ao Tutor
Esse comportamento de ladrar para estranhos no canil, mas apenas na presença do tutor, também está relacionado com a vigilância aumentada e responsividade. Estudos em etologia indicam que cães mantêm um estado de atenção mais elevado quando estão acompanhados pelo tutor, pois estão mais vigilantes e prontos para responder a qualquer interação que envolva o humano de referência.
Assim, o cão interpreta a chegada de um estranho como uma situação em que precisa de reagir para "proteger" ou alertar o tutor. Esse tipo de comportamento é ainda um reflexo do papel social do cão na interação com os humanos, em que se assume como protetor ou guardião na presença de uma possível ameaça, reforçada pela proximidade do tutor.
7. Influência do Sistema de Recompensa e de Acompanhamento
Quando o cão ladra para estranhos no canil e percebe que o tutor se mantém por perto, isso também pode ativar o sistema de recompensa do cão, de forma semelhante ao que acontece com o ladrar para chamar a atenção. A presença do tutor confirma para o cão que ele está a desempenhar o seu papel de guardião de forma "eficaz". Além disso, este comportamento pode ser uma resposta de alívio emocional, em que o cão "expressa" a sua proteção como uma espécie de conforto emocional associado ao sistema de apego.